18.10.05

Entrevista com a Senadora Patrícia Saboya

O Rodapé: Vossa Excelência presidiu a CPMI da Exploração Sexual, o que foi constatado pela CPMI no Brasil e em especial no Estado do Ceará?

Durante mais de um ano de trabalho, a CPMI destinada a investigar a exploração sexual de crianças e adolescentes percorreu todas as regiões do Brasil numa incansável busca para romper a barreira de silêncio que encobre esses crimes. Estivemos em 22 Estados, onde realizamos 34 reuniões e audiências públicas, além de 20 diligências. O quadro revelado para nós foi desolador. Constatamos que a prática da exploração sexual de crianças e adolescentes está disseminada em todo o País, aparecendo tanto em cidades grandes quanto em pequenos municípios. Esse fenômeno, infelizmente, conta com a ação organizada de redes que reduzem meninas e meninos à condição de mercadoria, tratados como objeto para dar prazer ao adulto.

Ao longo das nossas investigações, encontramos muito mais do que casos chocantes. Encontramos crianças e adolescentes fragilizados, com o corpo e a mente marcados pela violência sexual, pela falta de perspectiva de uma vida digna, pelo total abandono da família, da sociedade e do Estado. Colocar as crianças no centro das nossas atenções foi uma preocupação constante da CPMI, que, ao contrário de outros processos investigativos, acreditou efetivamente no depoimento das vítimas.

No Ceará, onde realizamos diligência e audiência pública, não foi diferente. Na apuração dos casos, procuramos ouvir todas as partes envolvidas, dando, sempre, voz às crianças e adolescentes. Ouvir as histórias desses meninos e meninas foi, muitas vezes, traumatizante. Lembro-me do depoimento de uma garota de apenas 13 anos, vítima de estupro. Em meio aos relatos sobre o sofrimento de ter passado por uma violência tão brutal, ela nos contou, com tamanha pureza e ingenuidade, que ficara contente pelo fato de ter tido a chance de comer guloseimas como chocolates e biscoitos logo após essa terrível experiência. Pudemos apreender com esse e tantos outros relatos que a situação de milhares de crianças e adolescentes, no Ceará e no resto do País, é de total vulnerabilidade, não apenas do ponto de vista sócio-econômico, mas também nos aspectos emocional e psicológico.

As investigações da CPMI no nosso Estado confirmaram a existência de uma intricada rede de exploração sexual de crianças e adolescentes. Acredito que temos conseguido avançar bastante no combate a esses crimes no Ceará, inclusive com a prisão e a condenação de vários envolvidos, aqui e no exterior. No entanto, apesar de todos esses esforços do Poder Público e sobretudo da sociedade civil, a exploração sexual ainda encontra tremenda força no Estado.

O Rodapé: A região Nordeste é conhecida por valorizar a família, porém apresenta alto índice de prostituição infantil. Na sua opinião, qual o motivo desta contradição?

Ao analisarmos um fenômeno tão complexo e multifacetado como a exploração sexual de crianças e adolescentes, precisamos levar em conta fatores de ordem cultural, social e econômica. Sabemos, por exemplo, que tanto na região Nordeste quanto em outros lugares do Brasil, a exploração sexual não está ligada apenas a aspectos como a pobreza e a exclusão social. Trata-se de um problema que também está ligado a preconceitos e tabus ainda muito arraigados em nossa sociedade, como o machismo e as relações de poder entre adultos e crianças, ricos e pobres, brancos e negros.

O Rodapé: Como Vossa Excelência analisa a atual crise política? Ela pode afetar a economia?

Realmente vivemos momentos extremamente difíceis. Momentos marcados por uma profunda crise que, muitas vezes, nos deixa desanimados, desiludidos e até mesmo perdidos diante de tantas denúncias de corrupção envolvendo o Executivo e o Legislativo. Mas, felizmente, o Brasil tem dado uma demonstração inequívoca de que suas instituições estão fortalecidas e em rápido processo de amadurecimento. Portanto, temos constatado que o País continua funcionando apesar da turbulência política. O mais importante é que a economia parece estar blindada e dificilmente será atingida pelo turbilhão.

Temos, porém, que aproveitar esse momento para promover mudanças essenciais para o País. Diz um antigo ensinamento que toda crise vem acompanhada de uma oportunidade. E na atual situação não é diferente. Esse turbilhão que enfrentamos deve ser encarado como uma chance de refletirmos sobre o nosso sistema político-eleitoral. Não podemos mais aceitar que a política seja pautada por mazelas como o fisiologismo, a corrupção, o constante troca-troca de partidos e a defesa de interesses pessoais espúrios. Daí, a necessidade de votarmos uma reforma política. Sei que ela não resolverá todos os nossos problemas. Mas precisamos, com urgência, mudar as atuais regras do jogo, fortalecendo os partidos para que as discussões políticas aconteçam em torno de idéias e projetos para o País.

O Rodapé: A sociedade pode esperar por um bom desfecho para a crise ou há a possibilidade de tudo terminar em pizza?

Acho que podemos ter, sim, esperança em um desfecho animador para a atual crise. Não acredito que haja ambiente político e popular para a produção de mais uma pizza. A sociedade está atenta, a imprensa tem cumprido um papel expressivo nas investigações e os próprios políticos sabem que não dá mais para conviver com o sistema que aí está.

Mas é imprescindível que a população continue vigilante. É preciso seguir lutando pela construção de um País melhor e mais justo, em que os impostos pagos por todos nós, cidadãos, sejam efetivamente traduzidos em educação e saúde de qualidade, moradia, saneamento básico, cultura, esporte, lazer. É fundamental cobrar, com rigor, de todos os políticos, o compromisso de implantar políticas públicas capazes de melhorar a qualidade de vida de todos os brasileiros.

O Rodapé: O Rodapé, como todo meio de comunicação, às vezes sofre represália por algum artigo publicado. Até aí tudo bem, mas o que fazer quando a liberdade de expressão nos é suprimida?

Apesar de nossa lei de imprensa ser ainda da época da ditadura (lei 5.250 de 1967), ela prevê a “liberdade de manifestação do pensamento e da informação” aos meios de comunicação. A exceção, infelizmente prevista nesta lei que está sendo revista no Congresso Nacional, aconteceria no caso de o País estar sob estado de sítio, quando, então, o governo poderia exercer a censura sobre jornais, rádios, televisões e agências de notícias. Mas como nós esperamos e acreditamos que esse estado de exceção não voltará a acontecer, uma vez que nossa democracia está cada vez mais amadurecida, fica valendo a referida liberdade de expressão. A lei de imprensa afirma que “é livre a publicação e circulação, no território nacional, de livros e de jornais e outros periódicos”, a não ser os clandestinos. Mas atualmente, nem se leva em conta essa classificação de “clandestino”, uma vez que há um sentimento muito forte por parte da sociedade da importância da liberdade de expressão e de pensamento.

É sempre bom dar uma lida nesta lei porque ela também traz os abusos que não devem ser cometidos pela imprensa: por exemplo, a divulgação de notícias falsas e de fatos deturpados que provoquem, entre outras coisas, a desconfiança no sistema bancário ou o abalo no crédito de uma instituição financeira ou de qualquer empresa, pessoa física ou jurídica, além da injúria contra alguém. Esses dois exemplos de abusos são passíveis de punição, inclusive a detenção. Mas, tendo sempre cuidado para não cometer erros graves ou deturpações propositais da realidade, a imprensa brasileira tem que ter suas liberdades de expressão e de opinião respeitadas. Claro que a opinião, a meu ver, deve ser expressa nas páginas dedicadas a ela e não nas reportagens. Essas devem primar por refletir as diversas nuances ideológicas do problema de que estão tratando.

Se um jornal sofre represálias contra essa liberdade, o melhor caminho é procurar a Justiça, que é o poder destinado a fazer com que sejam observadas as leis em vigor. Existem várias instâncias no poder judiciário. Se o jornal não ficar satisfeito com a decisão da primeira instância, que infelizmente às vezes fica sujeita a ligações com a política, pode e deve recorrer à instância imediatamente superior. O importante é fazer valer sua convicção.

Nenhum comentário: