20.9.09

A Lenda dos Karyrys

Depois de um artigo que prima pelos argumentos lógicos, e baseado quase que unicamente na obra Efemérides do Cariri, sinto-me na obrigação, até pela influência Ariana (“Suassúnica”), tal como Dom Pedro Quadrena, de escrever também o outro lado, mais charmoso, mais emocionante, inspirado dessa vez por João Brígido.

Diz a lenda que perto do ano de 1660, um representante da Casa da Torre, alcunhado Medrado, teve um de seus escravos, um menino negro, raptado por um grupo de índios. O garoto foi trazido ao Cariri e criado pelos índigenas que ensinaram a língua e os costumes. Mesmo assim, a criança já havia incorporado muito do costume branco, e isso era apreciado pelos nativos. O tempo passou e já na década de 1680, ou talvez já no início de 1690, os Karyrys, que viviam em constante conflito territorial com as tribos dos Inhamuns, Calabaças e Cariús se viram ameaçados por uma aliança que se formava entre seus rivais.

Em um momento de inspiração, o Negrinho (agora já um homem feito), deu a seguinte ideia: ele iria acompanhado por um grupo de índios pedir ajuda de seus antigo dono. Em menor número os bravos guerreiros Karyrys foram obrigados a aceitar o plano e assim o fizeram. Quando chegaram à casa de Medrado, o branco reconheceu seu escravo raptado, e depois de conversar com o herói da história, empolgado com as riquezas naturais descritas, juntou o mais rápido que pôde uma bandeira composta por duzentos homens de sua confiança. A marcha, guiada pelos índios e pelo negro não demorou a chegar e na travessia do chapadão trilharam caminhos seguros.

Durante todo o tempo, o negro serviu de intérprete entre brancos e índios. A estratégia adotada foi a seguinte: os ataques seriam rápidos e de surpresa; atacariam sempre em horários pouco prováveis; cada comunidade de índios rivais seria cercada e atacada; não era permitido piedade. Em Cachoeira, hoje Missão Velha, aconteceu um dos ataqueis mais cruéis. Homens, velhos e crianças forma mortos no local e os Karyrys se banqueteavam com as víceras dos guerreiros mais bravos. As mulheres e moças foram levadas para a cachoeira e jogadas do ponto mais alto.

Foi outro ataque, porém, que mudaria para sempre a história local. Em um cerco próximo ao que hoje é o centro de Barbalha, a aliança de brancos e nativos seguia seu ataque como de costume, até que encontraram, deitado em uma rede e acompanhado de belas índias, um branco. Era um bandido desterrado de Salvador, conhecido por Ariosa, que havia chegado por essas bandas. Compadecidos pelo fim trágico a que estava condenado o lusitano, já que era aliado da tribo rival, seus compatriotas prenderam-no e o Karyrys pouparam sua vida.

Ariosa, contudo, não demorou a convencer o líder da Bandeira a deixá-lo fugir. Livre, o bandido correu até Salvador e conseguir embarcar para Portugal. Em terras lusitanas foi até a Corte e relatou as terras que havia descoberto. Empolgados com o Oásis em meio à Caatinga, os nobres acharam por bem perdoar os crimes de Ariosa e o presentearam com uma Sesmaria.

Talvez venha daí o mal costume generalizado em todo o Brasil de se dar um “jeitinho” de premiar o banditismo.

Incomodados com as vantagens concedidas a Ariosa, a Casa da Torre perdeu o interesse no Cariri e Medrado, desceu o rio Salgado com sua bandeira até outro acampamento dos Cariús, hoje a cidade de Icó, onde fundaram um aldeamento. Mesmo assim, não perderam a oportunidade de tirar uma "lasquinha". Os Lobatos, principalmente a esposa de Antônio Mendes Lobato, eram protegidos da Casa da Torre, e foram, no papel, os primeiros a receber uma Sesmaria das terras caririenses. Ariosa ficou com uma Sesmaria na atual cidade de Porteiras, antigamente Lagoa do Ariosa.


Católicos, os Lobatos receberam pouco depois de 1708 frades Capuchinhos que formaram o primeiro povoado, Missão Velha. Em 1724 ou 25, tangidos por uma forte seca, encontraram temporariamente, duas léguas acima, um local próprio para habitar. Nasceu aí Missão Nova. Acredita-se ainda, que a seca também foi o motivo para a fundação da Missão do Miranda, hoje Crato. Ouros acreditam que não, acontece que no Crato havia a maior concentração de índios da região, e o interesse os capuchinhos era justamente a catequese dos selvagens. Bem verdade também que muitos dos religiosos estavam cheios de segundas intenções e deveria haver bons motivos para a alta densidade de nativos naquelas bandas. Contudo, todas as explicações sobre a ocupação do Crato podem ser resumidas em uma frase "Oh terra boa, meu Deus".

Outro detalhe folclórico sobre a ocupação do Crato é que os catequistas queriam fundar a cidade às margens do rio Batateiras. Porém, a imagem de Nossa Senhora sumia constantemente, aparecendo onde hoje é a atual Igreja da Sé. Acreditando que fosse alguma brincadeira dos índios, os padres puniam aqueles com mais pinta de líderes e traziam de volta para a sede da missão. Curiosos com os sumiços da Santa, porém, decidiram vigiá-la com maior cuidado. Mesmo assim ela desapareceu e voltou ao mesmo lugar de sempre. Convencidos do milagre, e da vontade divina, os frades acharam mais fácil eles acompanharem a imagem do que impor sua vontade. Não demorou e o Crato logo se tornou o centro da região, perdendo o posto apenas em 1914, mas isso já é outra história.

Bibliografia:
*BRÍGIDO, João. Apontamentos para história do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco de 1961, fac-similar. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007.

Willian II

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