25.8.10

Política no Brasil é piada, e ponto final!


Um poeta popular disse certa vez que “do voto que a gente dá/ só se aproveita o que come”. Aí proibiram de dar comida aos eleitores. Parafraseando o poeta, minha geração infelizmente se acostumou com “o voto que a gente dá/ só se aproveita o que ri”. Deste modo, escrevo este texto para dizer: "Obrigado, senhor Tiririca".

O que foi? Sério! Não é piada não... Ou é? Acho que não. Agradeço mesmo ao “abestado”... Quer dizer, ao sr. candidato a Deputado Federal. Esse nordestino macho saiu do anonimato do Ceará para nos provar por A + B que política no Brasil é piada e ponto final.

Com toda a arrogância e sabedoria daqueles que podem mandar e o fazem, os tribunais eleitorais proibiram os humoristas de utilizar os candidatos como matéria-prima de seu irreverente ganha-pão. Como não sou humorista, tenho um pequeno espaço na internet e voto no Ceará, ouso agradecer publicamente a este conterrâneo, que de forma legítima, devolveu a graça (ao pé da letra), a essa eleições tão... Tão... Não acho o adjetivo certo e rezo para que ele não exista. Enfim, Tiririca faz piada e ninguém pode fazer nada contra ele. A campanha dele só me assusta em uma parte: “pior do que tá não fica”, acontece que com vinte e dois anos estou ficando careca... De saber que eles nunca cumprem as promessas.


Mas, tirando o pessimismo do ecologista chato que acha que o melhor lugar para lula é seu habitat natural, ou seja, o oceano, acho que estas eleições estão correndo do modo mais correto possível. É certo como o rio corre para o mar que o país do “jeitinho” merece um líder a sua altura, ou pelo menos com a ficha tão suja quanto. Ops...

Irônico como na campanha do “ficha limpa” muito provavelmente elegeremos alguém que se orgulha em ter empunhado armas, sequestrado e assaltado. Mas talvez eu tenha um retrovisor maior do que o para-brisa. É melhor eu me calar porque bem medido e bem pesado... Hoje estou muito reticente, mas para bom entendedor...

De manhã vi uma matéria de que a imprensa é censurada na Venezuela por um cara que é muito amigo do partido estrela no Brasil, que só não é de trabalhadores. Vi também que nossos hermanos argentinos também começam a viver um regime de silêncio imposto por uma mulher indicada pelo seu antecessor. Como as coincidências são muitas, quero escrever logo antes que... (Só por segurança), antes que eu passe num concurso e o trabalho não me deixe escrever mais nada...

Sim, lembrei. Eu estou aqui mesmo é para agradecer. Com slogans “agora eu quero jogar com você”, “minha luta agora é em Brasília”, “jovem vota em jovem”, “por isso eu, Mara Maravilha, peço voto pra meu marido”, “pro meu filho eu tiro o chapéu”, “ooooiiieeee gente” e “vote no abestado”, gostaria de parabenizar e agradecer a todos que conseguiram dar um jeitinho no entendimento do TSE e fazer valer o inciso IV do art. 5º de nossa constituição e trazer o humor para as eleições. Vedado só o anonimato.

Bem, meus amigos, agradeço também a vocês por terem chegado no fim deste texto. Independente de quem ganhe, peço que nossa cidadania não morra para ressuscitar daqui a dois anos. Por favor, não entreguemos o futuro de nosso país de mão beijada. Felicidades!

Willian II

21.10.09

Lampião no Cariri


Lampião dificilmente realizava ataques no Ceará, especialmente no Cariri, pois, segundo o próprio cangaceiro, não tinha inimigos no estado e respeitava a região por ser a terra de Padre Cícero, de quem era devoto. Se por um lado não tinha inimigos cearenses, por outro sobravam "coiteiros", como eram designados aqueles que davam abrigo e proteção aos cangaceiros. O principal "coiteiro" de Lampião no Cariri era o Coronel Isaias Arruda, do município de Aurora. Aliás, foi de Aurora que Lampião partiu para seu mais ousado (e fracassado), plano: assaltar a agência do Banco do Brasil de Mossoró, Rio Grande do Norte.

Em 13 de junho de 1927, os cangaceiros invadiram Mossoró, mas foram recebidos a bala, e após cerca de quarenta minutos de intenso combate, bateram em retirada rumo a Limoeiro do Norte no Ceará. Fortalecida após a vitória, a Polícia potiguar, com apoio das Polícias da Paraíba e do Ceará, partiu no encalço do bando. Acuado, o bando rumou para o Cariri. Houve confrontos nas localidades de Riacho do Sangue (Jaguaretama), Cacimbas (Icó), Ribeiro e Ipueiras (os últimos em Aurora). O bando seguiu para a Serra do Góes (Caririaçu), entretanto, sendo informado por um simpatizante que o município estava entricheirado esperando pela chegada dos cangaceiros, Lampião decidiu ir para Milagres. De lá foi para Piancó na Paraíba e depois para Pernambuco, conseguindo finalmente despistar as forças policiais.

Lampião esteve em Juazeiro do Norte uma única vez, no ano de 1926. Naquele ano, a Coluna Prestes percorria o Brasil desafiando o Governo Federal. Para combatê-la, foram criados os chamados Batalhões Patrióticos. O Coronel Góis Monteiro (ao lado), chefe do Estado-Maior e responsável por combater a Coluna, recrutava cangaceiros para auxiliar as tropas militares, em troca lhes dava anistia. Floro Bartolomeu, líder do Batalhão Patriótico de Juazeiro, ciente de que Prestes e Lampião já haviam se enfrentado uma vez e que estavam em território cearense, enviou carta para Lampião convidando-o a se juntar ao Batalhão Patriótico e oferecendo-lhe, em troca, a anistia do Governo Federal, a patente de Capitão e o encontro com Padre Cícero. Entretanto, o sacerdote não sabia da aliança.

Em 04 de março de 1926, Lampião e outros 49 cangaceiros chegaram a Juazeiro com o intuito de servir ao Batalhão Patriótico. Floro Bartolomeu, que estava muito doente em virtude de angina, se encontrava no Rio de Janeiro, onde faleceu quatro dias após. Coube a Pedro de Albuquerque Uchoa, na época o único funcionário público federal no municípo, entregar armas, anistia e a patente de Capitão ao Rei do Cangaço. Pedro de Albuquerque não tinha competência para tais atos, mas mesmo assim rabiscou em uma folha de papel que os cangaceiros tinham sido anistiados e que a partir daquele dia Lampião estaria a serviço do Governo na condição de Capitão. Tempo depois, ao ser questionado sobre o fato, Pedro de Albuquerque disse que na frente de Lampião assinaria qualquer coisa que o cangaceiro exigisse, até a destituição do Presidente da República!

Ao encontrarem Padre Cícero, Lampião e seus homens se ajoelharam, mas foram supreendidos ao ouvir o sacerdote aconselhá-los a abandonar o cangaço. Vendo que tinha sido vítima de uma farsa, pois não seria anistiado e Padre Cícero não o tinha convocado, Lampião deixou Juazeiro levando as armas do Batalhão Patriótico e sem jamais voltar a enfrentar a Coluna Prestes.

Bibliografia:
*BORGES, Raimundo de Oliveira. Serra de São Pedro: História de Caririaçu. Fortaleza: ABC Editora: 2009.
*COUTINHO, Lourival. O General Góes Depõe... Rio de Janeiro: Editora Coelho Branco, 1956.
*SOUZA, Anildomá Willans. Lampião: Nem herói nem bandido... A história. Serra Talhada: GDM Gráfica, 2006.
*TAVARES, Amarílio Gonçaves. Aurora: História e Folclore. Fortaleza: IOCE, 1993.

Micael François

14.10.09

Entrevista de Lampião

Em 1926, quando esteve de passagem por Juazeiro, Lampião concedeu entrevista ao médico Dr. Otacílio Macêdo. Segue a entrevista em sua íntegra, em breve traremos mais detalhes sobre a passagem do "Rei do Cangaço" pelo Cariri.

A entrevista teve dois momentos. O primeiro foi travado o seguinte diálogo:
OM: Que idade tem?
L: Vinte e sete anos.
OM: Há quanto tempo está nesta vida?
L: Há nove anos, desde 1917, quando me ajuntei ao grupo do Senhor Pereira.
OM: Não pretende abandonar a profissão?
L: Se o senhor estiver em um negócio, e for se dando bem com ele, pensará porventura em abandoná-lo? Pois é exatamente o meu caso. Porque vou me dando bem com este "negócio", ainda não pensei em abandoná-lo.
OM: Em todo o caso, espera passar a vida toda neste "negócio"?
L: Não sei... talvez... preciso porém "trabalhar" ainda uns três anos. Tenho alguns "amigos" que quero visitá-los, o que ainda não fiz, esperando uma oportunidade.
OM: E depois, que profissão adotará?
L: Talvez a de negociante.
OM: Não se comove a extorquir dinheiro e a "variar" propriedades alheias?
L: Oh! mas eu nunca fiz isto. Quando preciso de algum dinheiro, mando pedir "amigavelmente" a alguns camaradas.
Nesta altura chegou o 1° tenente do Batalhão Patriótico de Juazeiro, e chamou Lampião para um particular. De volta avisou-nos o facínora:
L: Só continuo a fazer este "depoimento" com ordem do meu superior. (Sic!)
OM: E quem é seu superior?
L: (Silêncio).
OM: Está direito...
Quando voltamos, algumas horas depois, à presença de Lampião, já este se encontrava instalado em casa do historiador brasileiro João Mendes de Oliveira.
Rompida, novamente, a custo, a enorme massa popular que estacionava defronte à casa, penetramos por um portão de ferro, onde veio Lampião ao nosso encontro, dizendo:

L: Vamos para o sótão, onde conversaremos melhor.
Subimos uma escadaria de pedra até o sótão. Aí notamos, seguramente, uns quarenta homens de Lampião, uns descansando em redes, outros conversando em grupos; todos, porém, aptos à luta imediata: rifle, cartucheiras, punhais e balas...
OM: Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
L: Pois não.
Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.
L: Que qui escrevo?
OM: Eu vou ditar.
E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel...
Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva.
Vulgo Lampião".

Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.

L: É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras redondas...
A esta afirmativa, uns gozaram o efeito dela, porém parece que não gostaram da coisa.
OM: Agora, Lampião, pedimos para escrever os nomes dos rapazes de sua maior confiança.
L: Pois não. E para não melindrar os demais companheiros, todos me merecem igual confiança, entretanto poderia citar o nome dos companheiros que estão há mais tempo comigo.
E escreveu.
1 - Luiz Pedro
2 - Jurity
3 - Xumbinho
4 - Nuvueiro
5 - Vicente
6 - Jurema
E o estado maior:
1 - Eu, Virgulino Ferreira
2 - Antônio Ferreira
3 - Sabino Gomes.
Passada a lista para nossas mãos fizemos a "chamada" dos cabecilhas fulano, cicrano, etc.
Todos iam explicando a sua origem e os seus feitos. Quando chegou a vez de "Xumbinho", apresentou-se-nos um rapazola, quase preto, sorridente, de 18 anos de idade.

OM: É verdade, "Xumbinho"! Você, rapaz tão moço, foi incluído por Lampião na lista dos seus melhores homens... Queremos que você nos ofereça uma lembrança...
"Xumbinho" gozou o elogio. Todo humilde, tirou da cartucheira uma bala e nos ofereceu como lembrança...
OM: No caso de insucesso com a polícia, quem o substituirá como chefe do bando?
L: Meu irmão Antônio Ferreira ou Sabino Gomes...
OM: Os jornais disseram, ultimamente, que o tenente Optato, da polícia pernambucana, tinha entrado em luta com o grupo, correndo a notícia oficial da morte de Lampião.
L: É, o tenente é um "corredor", ele nunca fez a diligência de se encontrar "com nós"; nós é que lhe matemos alguns soldados mais afoitos.
OM: E o cel. João Nunes, comandante geral da polícia de Pernambuco, que também já esteve no seu encalço?
L: Ah, este é um "velho frouxo", pior do que os outros...
Neste momento chegou ao sótão uma "romeira" velha, conduzindo um presente para Lampião. Era um pequeno "registro" e um crucifixo de latão ordinário. "Velinha", apresentando as imagens: "Está aqui, seu coroné Lampião, que eu truve para vomecê".
L: Este santo livra a gente de balas? Só me serve si for santo milagroso.
Depois, respeitosamente, beijou o crucifixo e guardou-o no bolso. Em seguida tirou da carteira um nota de 10$000 e gorgetou a romeira.
OM: Que importância já distribuiu com o povo do Juazeiro?
L: Mais de um conto de réis.
Lampião começou por identificar-se:
L: Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva e pertenço à humilde família Ferreira do Riacho de São Domingos, município de Vila Bela. Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria, isto é, vingar a morte do meu progenitor. Não perdi tempo e resolutamente arrumei-me e enfrentei a luta. Não escolhi gente das famílias inimigas para matar, e efetivamente consegui dizimá-las consideravelmente.
Sobre os grupos a que pertenceu:
L: Já pertenci ao grupo de Sinhô Pereira, a quem acompanhei durante dois anos. Muito me afeiçoei a este meu chefe, porque é um leal e valente batalhador, tanto que se ele ainda voltasse ao cangaço iria ser seu soldado.
Sobre suas andanças e seus perseguidores:
L: Tenho percorrido os sertões de Pernambuco, Paraíba e Alagoas, e uma pequena parte do Ceará. Com as polícias desses estados tenho entrado em vários combates. A de Pernambuco é disciplinada e valente, e muito cuidado me tem dado. A da Paraíba, porém, é uma polícia covarde e insolente. Atualmente existe um contingente da força pernambucana de Nazaré que está praticando as maiores violências, muito se parecendo com a força paraibana.
Referindo-se a seus coiteiros, Lampião esclareceu:
L: Não tenho tido propriamente protetores. A família Pereira, de Pajeú, é que tem me protegido, mais ou menos. Todavia, conto por toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos. Se não tivesse de procurar meios para a manutenção dos meus companheiros, poderia ficar oculto indefinidamente, sem nunca ser descoberto pelas forças que me perseguem. De todos meus protetores, só um traiu-me miseravelmente. Foi o coronel José Pereira Lima, chefe político de Princesa. É um homem perverso, falso e desonesto, a quem durante anos servi, prestando os mais vantajosos favores de nossa profissão.
A respeito de como mantém o grupo:
L: Consigo meios para manter meu grupo pedindo recursos aos ricos e tomando à força aos usuários que miseravelmente se negam de prestar-me auxílio.
Se estava rico?
L: Tudo quanto tenho adquirido na minha vida de bandoleiro mal tem chegado para as vultuosas despesas do meu pessoal - aquisição de armas, convindo notar que muito tenho gasto, também, com a distribuição de esmolas aos necessitados.
A respeito do número de seus combates e de suas vítimas disse:
L: Não posso dizer ao certo o número de combates em que já estive envolvido. Calculo, porém, que já tomei parte em mais de duzentos. Também não posso informar com segurança o número de vítimas que tombaram sob a pontaria adestrada e certeira de meu rifle. Entretanto, lembro-me perfeitamente que, além dos civis, já matei três oficiais de polícia, sendo um de Pernambuco e dois da Paraíba. Sargentos, cabos e soldados, é impossível guardar na memória o número dos que foram levados para o outro mundo.
Sobre as perseguições e fugas deixou claro:
L: Tenho conseguido escapar à tremenda perseguição que me movem os governos, brigando como louco e correndo rápido como vento quando vejo que não posso resistir ao ataque. Além disso, sou muito vigilante, e confio sempre desconfiando, de modo que dificilmente me pegarão de corpo aberto. Ainda é de notar que tenho bons amigos por toda parte, e estou sempre avisado do movimento das forças. Tenho também excelente serviço de espionagem, dispendioso mas utilíssimo.
Seu comportamento mereceu alguns comentários bastante francos:
L: Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.
Perguntado se deseja deixar essa vida:
L: Até agora não desejei, abandonar a vida das armas, com a qual já me acostumei e sinto-me bem. Mesmo que assim não sucedesse, não poderia deixá-la, porque os inimigos não se esquecem de mim, e por isso eu não posso e nem devo deixá-los tranquilos. Poderia retirar-me para um lugar longinguo, mas julgo que seria uma covardia, e não quero nunca passar por um covarde.
Sobre a classe da sua simpatia:
L: Gosto geralmente de todas as classes. Aprecio de preferência as classes conservadoras - agricultores, fazendeiros, comerciantes, etc., por serem os homens do trabalho. Tenho veneração e respeito pelos padres, porque sou católico. Sou amigo dos telegrafistas, porque alguns já me tem salvo de grandes perigos. Acato os juizes, porque são homens da lei e não atiram em ninguém. Só uma classe eu detesto: é a dos soldados, que são meus constantes perseguidores. Reconheço que muitas vezes eles me perseguem porque são sujeitos, e é justamente por isso que ainda poupo alguns quando os encontro fora da luta.
Perguntado sobre o cangaceiro mais valente do nordeste:
L: A meu ver o cangaceiro mais valente do nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luiz Padre. Penso que Antonio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do governo em consequência de um pequeno ferimento. Já recebi ferimentos gravíssimos e nem por isso me entreguei à prisão. Conheci muito José Inácio de Barros. Era um homem de planos, e o maior protetor dos cangaceiros do nordeste, em cujo convívio sentia-se feliz.
Questionado sobre ferimentos em combate, contou:
L: Já recebi quatro ferimentos graves. Dentre estes, um na cabeça, do qual só por um milagre escapei. Os meus companheiros também, vários têm sido feridos. Possuímos, porém, no grupo, pessoas habilitadas para tratar dos ferimentos, de modo que sempre somos convenientemente tratados. Por isso, como o senhor vê, estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo, raramente, ligeiros ataques reumáticos.
Sobre ter numeroso grupo:
L: Desejava andar sempre acompanhado de numeroso grupo. Se não o organizo conforme o meu desejo é porque me faltam recursos materiais para a compra de armamentos e para a manutenção do grupo - roupa, alimentação, etc. Estes que me acompanham é de quarenta e nove homens, todos bem armados e municiados, e muito me custa sustentá-los como sustento. O meu grupo nunca foi muito reduzido, tem variado sempre de quinze a cinquenta homens.
Sobre padre Cícero Lampião foi bem específico:
L: Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes, e sobretudo porque há muitos anos protege minhas irmãs, que moram nesta cidade. Tem sido para elas um verdadeiro pai. Convém dizer que eu ainda não conhecia pessoalmente o padre Cícero, pois esta é a primeira vez que venho a Juazeiro.
Em relação ao combate aos revoltosos:
L: Tive um combate com os revoltosos da coluna Prestes, entre São Miguel e Alto de Areias. Informado de que eles passavam por ali, e sendo eu um legalista, fui atacá-los, havendo forte tiroteio. Depois de grande luta, e estando com apenas dezoito companheiros, vi-me forçado a recuar, deixando diversos inimigos feridos.
A respeito de sua vinda ao Ceará:
L: Vim agora ao Cariri porque desejo prestar meus serviços ao governo da nação. Tenho o intuito de incorporar-me às forças patrióticas do Juazeiro, e com elas oferecer combate aos rebeldes. Tenho observando que, geralmente, as forças legalistas não têm planos estratégicos, e daí os insucessos dos seus combates, que de nada tem valido. Creio que se aceitassem meus serviços e seguissem meus planos, muito poderíamos fazer.
Sobre o futuro Lampião mostrou-se incerto, apesar de ter planos:
L: Estou me dando bem no cangaço, e não pretendo abandoná-lo. Não sei se vou passar a vida toda nele. Preciso trabalhar ainda uns três anos. Tenho de visitar alguns amigos, o que não fiz por falta de oportunidade. Depois, talvez me torne um comerciante.
Aqui termina a entrevista concedida por Lampião em Juazeiro.
Na despedida Lampião nos acompanhou até a porta. Pediu nosso cartão de visita e acrescentou:

L: Espero contar com os "votos" dos senhores em todo tempo!
OM: Que dúvida...
Como sabemos, Lampião, o "Rei do Cangaço", não viveu o suficiente para ver todos seus planos concretizados.

Fonte:
* http://www.sertaonet.com.br/lampiao/fala.html

4.10.09

Juazeiro x Crato: As Origens da Rivalidade

É comum ver um juazeirense e um cratense discutindo sobre qual cidade "é melhor". Em jogos de futebol entre os clubes de Juazeiro do Norte (Icasa e Guarani), e o time do Crato, as provocações das torcidas muitas vezes são direcionadas às cidades. O que hoje parece ser uma disputa sadia, antes foi motivo de embates furiosos e, no auge da rivalidade, a região deixou de receber diversos empreedimentos porque os investidores temiam se instalar em uma cidade e sofrer boicote da outra.

O início da rivalidade remonta ao século XIX, quando, após os acontecimentos miraculosos já abordados por este blog, a Igreja Católica iniciou uma campanha difamatória contra Padre Cícero e o então distrito de Tabuleiro Grande. Para se ter uma ideia da dimensão dos ataques eclesiásticos, em agosto de 1909, o Bispo auxiliar Manuel Lopes, em pregação na cidade do Crato, declarou: "Povo nobre e altivo do Crato, peço permissão para falar sobre o povo imundo de Juazeiro, que vive guiado por Satanás". Em reposta à frase do Bispo, a população de Juazeiro decretou uma greve geral à economia do Crato, não recolhendo impostos, suspendendo a venda de produtos agrícolas e industriais, além do não comparecimento ao trabalho (caso daqueles que laboravam no Crato).

A partir daí, surgiu o segundo e principal motivo para a rusga: a questão político-financeira. O jornal "O Rebate", criado em julho de 1909 para defender a emancipação de Juazeiro, intensificou a campanha e passou a realizar pesados ataques aos chefes políticos do Crato. O crescimento vertiginoso de Juazeiro aumentou consideravelmente a arrecadação de impostos e oferta de mão-de-obra, razão pela qual a emancipação do distrito estava fora de cogitação por parte da Prefeitura do Crato.

O movimento emancipacionista ganhou força em 1910, quando Padre Cícero abandonou a posição de neutralidade e enviou carta ao Governador Nogueira Accioly, requerendo a autonomia política de Juazeiro. No mesmo ano, houve uma passeata em prol do movimento, reunindo cerca de 15 mil simpatizantes.

Em 22 de julho de 1911, Juazeiro se tornou independente do Crato. Os poderes públicos dos dois municípios passaram a disputar investimentos públicos e privados, o que como dito antes, trouxe mais malefícios que benefícios. Em 1914, com a Sedição de Juazeiro, o município do Crato serviu de base para as forças rabelistas, motivo que acirrou ainda mais os ânimos e levou juazeirenses e cratenses às vias de fato. Aliás, os confrontos mais impiedosos que se tem notícia acerca da Sedição, ocorreram no Crato.

Com o passar dos anos, o clima hostil entre as duas cidades foi se dissipando, embora infelizmente ainda teime em existir. É preciso ter em mente que, juntas, as cidades do Cariri tem mais chances de atrair investimentos e se desenvolver do que se continuarem remoendo antigas desavenças.

Bibliografia:
* MATIAS, Aurélio. O Poder Político Em Juazeiro Do Norte – Mudanças e Permanências – as Eleições de 2000. Juazeiro do Norte: Gráfica Nobre, 2008.
* TOLEDO, Roberto Pompeu de. Quem tem medo de Frei Damião?. VEJA, São Paulo-SP, ano 30, p. 134, jun 1997

Micael François

28.9.09

A Sedição de Juazeiro

Apesar de pouco conhecida e estudada, a Sedição de Juazeiro foi uma das passagens mais importantes da história do Ceará, adquirindo proporções nacionais na época. A origem da revolta remonta à "política das salvações" posta em prática pelo então Presidente Hermes da Fonseca, que promoveu intervenção em vários estados do país na tentativa de conter a "campanha civilista" idealizada pela oposição.

No Ceará, Franco Rabelo foi nomeado interventor em julho de 1912. Logo que assumiu o poder, Franco Rabelo procurou enfraquecer os coronéis do estado, conseguindo relativo êxito no início de sua gestão. Em Juazeiro, o Governador destituiu Padre Cícero do cargo de prefeito, nomeando em seu lugar, José André de Figueiredo. Em novembro de 1913, a Assembleia Legislativa decidiu se reunir em Juazeiro, tendo em vista que o Governador Rabelo não permitia que tal ato acontecesse em Fortaleza. Padre Cícero não tomou parte na Assembleia, mas ao ser informado da reunião, enviou carta ao Governador dando conta da situação e aconselhando sua renúncia. Franco Rabelo entendeu a reunião e a carta como provocações, ordenando a invasão a Juazeiro.

Quando Padre Cícero soube que militares marchavam rumo a Juazeiro, ordenou a construção de um valado para proteger a cidade. Em apenas seis dias, uma vala de aproximadamente nove quilômetros de extensão, oito de largura e cinco de profundidade foi cavada. Para o Monsenhor Murilo de Sá Barreto, tal construção, que recebeu o nome de "Círculo da Mãe de Deus", comprova que Padre Cícero nunca teve intenção de atacar, pois: "quem constrói valado, constrói para se defender".

Graças ao Círculo da Mãe de Deus, os militares foram repelidos. O Governador enviou um contingente ainda maior e armamento pesado, inclusive um canhão. Mesmo assim, as forças rabelistas não conseguiram transpor o fosso e foram obrigadas a bater em retirada. As frustradas tentativas de invasão abalaram o poder de Franco Rabelo, aproveitando-se disso, Floro Bartolomeu (ao lado), costurou alianças para derrubar o Governador. Diante das dimensões da Sedição de Juazeiro e por influência do senador Pinheiro Machado, o próprio Presidente Hermes da Fonseca decidiu apoiar Floro Bartolomeu e enviou navios da Marinha para Fortaleza.

É de se frisar que embora muitos imputem a Padre Cícero a liderança da Sedição de Juazeiro, esta coube a Floro Bartolomeu que declarou: "Apesar de todo o país saber que a revolução de Juazeiro foi um movimento de ordem política, com a qual foram moralmente solidários os altos poderes da república e que eu fui incubido de chefiá-lo pelos chefes políticos, e que unicamente dirigi toda a ação, ainda há quem, de má fé, queira dar a responsabilidade ao Padre Cícero". A historiadora Amália Xavier de Oliveira afirma que quando os juazeirenses decidiram atacar, Padre Cícero os orientou a respeitar os adversários e as coisas alheias, só devendo pegar o necessário para saciar a fome, entretanto, Floro Bartolomeu teria dito para fazer o que quisessem, pois "o vencedor tem direito ao que é do vencido".


Em 24 de janeiro de 1914, os juazeirenses tomaram a cidade do Crato após um confronto com os soldados remanescentes do grupo que tentara invadir Juazeiro. Três dias depois, Barbalha foi tomada sem oferecer resistência. Em fevereiro, houve novo confronto em Iguatu, onde novamente o grupo liderado por Floro Bartolomeu obteve vitória. Há registros de pilhagens e confrontos em outras cidades do estado, como Quixadá e Maranguape. Em 15 de março, os revoltosos chegaram em Fortaleza, onde a Marinha já havia imposto um bloqueio marítimo. Cercado, Franco Rabelo foi deposto, sendo substituído interinamente pelo comandante da Marinha Fernando Setembrino de Carvalho. Os revoltosos voltaram a Juazeiro e desocuparam as cidades invadidas. Algum tempo depois, foram realizadas eleições, sendo eleito Governador Benjamim Liberato Barroso e Vice-Governador Padre Cícero.

Bibliografia:
* CARIRY, Antonio: A Defesa Armada de Juazeiro. Brasília-DF: Usina das Letras. 2006
* OLIVEIRA, Amália Xavier de: O Padre Cícero Que Eu Conheci. Rio de Janeiro-RJ: Gráfica Olímpica Ltda. 1969
* SOBREIRA, Azarias: O Patriarca de Juazeiro. Petrópolis-RJ: Vozes: 1969

Micael François

20.9.09

A Lenda dos Karyrys

Depois de um artigo que prima pelos argumentos lógicos, e baseado quase que unicamente na obra Efemérides do Cariri, sinto-me na obrigação, até pela influência Ariana (“Suassúnica”), tal como Dom Pedro Quadrena, de escrever também o outro lado, mais charmoso, mais emocionante, inspirado dessa vez por João Brígido.

Diz a lenda que perto do ano de 1660, um representante da Casa da Torre, alcunhado Medrado, teve um de seus escravos, um menino negro, raptado por um grupo de índios. O garoto foi trazido ao Cariri e criado pelos índigenas que ensinaram a língua e os costumes. Mesmo assim, a criança já havia incorporado muito do costume branco, e isso era apreciado pelos nativos. O tempo passou e já na década de 1680, ou talvez já no início de 1690, os Karyrys, que viviam em constante conflito territorial com as tribos dos Inhamuns, Calabaças e Cariús se viram ameaçados por uma aliança que se formava entre seus rivais.

Em um momento de inspiração, o Negrinho (agora já um homem feito), deu a seguinte ideia: ele iria acompanhado por um grupo de índios pedir ajuda de seus antigo dono. Em menor número os bravos guerreiros Karyrys foram obrigados a aceitar o plano e assim o fizeram. Quando chegaram à casa de Medrado, o branco reconheceu seu escravo raptado, e depois de conversar com o herói da história, empolgado com as riquezas naturais descritas, juntou o mais rápido que pôde uma bandeira composta por duzentos homens de sua confiança. A marcha, guiada pelos índios e pelo negro não demorou a chegar e na travessia do chapadão trilharam caminhos seguros.

Durante todo o tempo, o negro serviu de intérprete entre brancos e índios. A estratégia adotada foi a seguinte: os ataques seriam rápidos e de surpresa; atacariam sempre em horários pouco prováveis; cada comunidade de índios rivais seria cercada e atacada; não era permitido piedade. Em Cachoeira, hoje Missão Velha, aconteceu um dos ataqueis mais cruéis. Homens, velhos e crianças forma mortos no local e os Karyrys se banqueteavam com as víceras dos guerreiros mais bravos. As mulheres e moças foram levadas para a cachoeira e jogadas do ponto mais alto.

Foi outro ataque, porém, que mudaria para sempre a história local. Em um cerco próximo ao que hoje é o centro de Barbalha, a aliança de brancos e nativos seguia seu ataque como de costume, até que encontraram, deitado em uma rede e acompanhado de belas índias, um branco. Era um bandido desterrado de Salvador, conhecido por Ariosa, que havia chegado por essas bandas. Compadecidos pelo fim trágico a que estava condenado o lusitano, já que era aliado da tribo rival, seus compatriotas prenderam-no e o Karyrys pouparam sua vida.

Ariosa, contudo, não demorou a convencer o líder da Bandeira a deixá-lo fugir. Livre, o bandido correu até Salvador e conseguir embarcar para Portugal. Em terras lusitanas foi até a Corte e relatou as terras que havia descoberto. Empolgados com o Oásis em meio à Caatinga, os nobres acharam por bem perdoar os crimes de Ariosa e o presentearam com uma Sesmaria.

Talvez venha daí o mal costume generalizado em todo o Brasil de se dar um “jeitinho” de premiar o banditismo.

Incomodados com as vantagens concedidas a Ariosa, a Casa da Torre perdeu o interesse no Cariri e Medrado, desceu o rio Salgado com sua bandeira até outro acampamento dos Cariús, hoje a cidade de Icó, onde fundaram um aldeamento. Mesmo assim, não perderam a oportunidade de tirar uma "lasquinha". Os Lobatos, principalmente a esposa de Antônio Mendes Lobato, eram protegidos da Casa da Torre, e foram, no papel, os primeiros a receber uma Sesmaria das terras caririenses. Ariosa ficou com uma Sesmaria na atual cidade de Porteiras, antigamente Lagoa do Ariosa.


Católicos, os Lobatos receberam pouco depois de 1708 frades Capuchinhos que formaram o primeiro povoado, Missão Velha. Em 1724 ou 25, tangidos por uma forte seca, encontraram temporariamente, duas léguas acima, um local próprio para habitar. Nasceu aí Missão Nova. Acredita-se ainda, que a seca também foi o motivo para a fundação da Missão do Miranda, hoje Crato. Ouros acreditam que não, acontece que no Crato havia a maior concentração de índios da região, e o interesse os capuchinhos era justamente a catequese dos selvagens. Bem verdade também que muitos dos religiosos estavam cheios de segundas intenções e deveria haver bons motivos para a alta densidade de nativos naquelas bandas. Contudo, todas as explicações sobre a ocupação do Crato podem ser resumidas em uma frase "Oh terra boa, meu Deus".

Outro detalhe folclórico sobre a ocupação do Crato é que os catequistas queriam fundar a cidade às margens do rio Batateiras. Porém, a imagem de Nossa Senhora sumia constantemente, aparecendo onde hoje é a atual Igreja da Sé. Acreditando que fosse alguma brincadeira dos índios, os padres puniam aqueles com mais pinta de líderes e traziam de volta para a sede da missão. Curiosos com os sumiços da Santa, porém, decidiram vigiá-la com maior cuidado. Mesmo assim ela desapareceu e voltou ao mesmo lugar de sempre. Convencidos do milagre, e da vontade divina, os frades acharam mais fácil eles acompanharem a imagem do que impor sua vontade. Não demorou e o Crato logo se tornou o centro da região, perdendo o posto apenas em 1914, mas isso já é outra história.

Bibliografia:
*BRÍGIDO, João. Apontamentos para história do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco de 1961, fac-similar. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007.

Willian II

14.9.09

O Suposto Milagre


Em 06 de março de 1889, primeira sexta-feira da Quaresma, Padre Cícero ministrava a comunhão a um grupo de fiéis, quando ao chegar a vez de Maria de Aaújo, a hóstia transmutou-se em sangue na boca da beata, e estigmas semelhantes ao de Cristo apareceram em seu corpo. O fenômeno se repetiu por diversas oportunidades, sempre com a beata Maria de Araújo (ao lado).

Milagre ou embuste? A pedido do próprio Padre Cícero, o Bispo Dom Joaquim enviou uma comissão para apurar os fatos. O grupo era composto por Marcos Rodrigues Madeira (médico), Ildefonso Correia Lima (médico e professor da Faculdade do Rio de Janeiro), Joaquim Secundo Chaves (farmacêutico), além de diversos padres da região. Os médicos Marcos Rodrigues e Idelfonso Correia escreveram atestados onde contam com riqueza de detalhes a "investigação" do caso.

Dr. Marcos Rodrigues conta que: "(...) Não contente com os exames antecedentes mandei que lhe fizesse diversos gargarejos em minha vista, os que depois de eliminados não apresentava coloração alguma de sangue ou de outra matéria corante qualquer. Sem deixá-la mais de vista acompanhei-a até a Igreja, onde examinei a âmbula e partículas n'ella existentes (...)". Dr. Idelfonso Correia complementa que: "(...) mandei que ella vascolejasse água pura na bocca e depositasse-a depois em um prato de vidro, onde verifiquei não haver mudança alguma da cor do líquido, denunciável à vista (...)".

Após presenciar a transformação da hóstia, Dr. Ildefonso Correia afirmou: "(...) facto da ordem dos observados não podem ser explicados pelo jogo natural dos agentes naturaes, sendo forçoso acceitar a intervenção de um agente inteligente occulto que represente a causa, o qual, no caso em questão, acredito em ser Deus (...)". Já Dr. Marcos Rodrigues é categórico ao afirmar que acreditava em embuste, mas mudou de opinião ao ver pessoalmente o fenômeno: "(...) Muitos factos semelhantes se têm dado no Joazeiro e para verifica-los era mister que o Exmo. Bispo Diocesano viesse a esta localidade, si não acreditar, como eu até pouco tempo, na sua veracidade, apezar do testemunho quase diário de centenas de pessoas (...)".

Entretanto, a Diocese relutava em aceitar o milagre. Conta-se que o Padre Chevallier (reitor do Seminário da Prainha e assessor de Dom Joaquim), teria dito: "Jesus Cristo não vai deixar a França para obrar milagres no Brasil". Assim, o Bispo enviou uma nova comissão para apurar os fatos, comissão esta liderada pelos padres Alexandrino de Alencar e Manoel Cândido, ambos de confiança do Bispo. Quando o Padre Alexandrino de Alencar ministrou a comunhão a Maria de Araújo, nada ocorreu. A beata disse que o fênomeno não ocorreu porque o Padre Alexandrino era homem de pouca fé. O comentário rendeu à beata palmatórias e enclausuramento, enquanto ao Padre Cícero suspensão de suas ordens sacerdotais.

Uma terceira hipótese, levantada, na época, pelo Dr. Júlio César da Fonseca Filho, afirmava que o fenômeno não era milagre nem embuste, mas sim, fruto de uma crise de histerismo de Maria de Araújo. Tal posicionamento foi resgatado recentemente pela parapsicóloga Drª. Maria do Carmo Pagan Forti que afirma tratar-se o fenômeno de resultado da influência do psiquismo sobre o organismo, ou seja, a imaginação emotiva da beata gerou o sangue e estigmas.

Bibliografia:
* BARBOSA, Geraldo Meneses. Relíquia: o mistério do sangue das hóstias de Juazeiro do Norte. Juazeiro do Norte: Gráfica e Editora Royal, 2004.
* FORTI, Maria do Carmo Pagan. Maria do Juazeiro: a beata do milagre. São Paulo: Annablume, 1999.

Micael François