28.9.09

A Sedição de Juazeiro

Apesar de pouco conhecida e estudada, a Sedição de Juazeiro foi uma das passagens mais importantes da história do Ceará, adquirindo proporções nacionais na época. A origem da revolta remonta à "política das salvações" posta em prática pelo então Presidente Hermes da Fonseca, que promoveu intervenção em vários estados do país na tentativa de conter a "campanha civilista" idealizada pela oposição.

No Ceará, Franco Rabelo foi nomeado interventor em julho de 1912. Logo que assumiu o poder, Franco Rabelo procurou enfraquecer os coronéis do estado, conseguindo relativo êxito no início de sua gestão. Em Juazeiro, o Governador destituiu Padre Cícero do cargo de prefeito, nomeando em seu lugar, José André de Figueiredo. Em novembro de 1913, a Assembleia Legislativa decidiu se reunir em Juazeiro, tendo em vista que o Governador Rabelo não permitia que tal ato acontecesse em Fortaleza. Padre Cícero não tomou parte na Assembleia, mas ao ser informado da reunião, enviou carta ao Governador dando conta da situação e aconselhando sua renúncia. Franco Rabelo entendeu a reunião e a carta como provocações, ordenando a invasão a Juazeiro.

Quando Padre Cícero soube que militares marchavam rumo a Juazeiro, ordenou a construção de um valado para proteger a cidade. Em apenas seis dias, uma vala de aproximadamente nove quilômetros de extensão, oito de largura e cinco de profundidade foi cavada. Para o Monsenhor Murilo de Sá Barreto, tal construção, que recebeu o nome de "Círculo da Mãe de Deus", comprova que Padre Cícero nunca teve intenção de atacar, pois: "quem constrói valado, constrói para se defender".

Graças ao Círculo da Mãe de Deus, os militares foram repelidos. O Governador enviou um contingente ainda maior e armamento pesado, inclusive um canhão. Mesmo assim, as forças rabelistas não conseguiram transpor o fosso e foram obrigadas a bater em retirada. As frustradas tentativas de invasão abalaram o poder de Franco Rabelo, aproveitando-se disso, Floro Bartolomeu (ao lado), costurou alianças para derrubar o Governador. Diante das dimensões da Sedição de Juazeiro e por influência do senador Pinheiro Machado, o próprio Presidente Hermes da Fonseca decidiu apoiar Floro Bartolomeu e enviou navios da Marinha para Fortaleza.

É de se frisar que embora muitos imputem a Padre Cícero a liderança da Sedição de Juazeiro, esta coube a Floro Bartolomeu que declarou: "Apesar de todo o país saber que a revolução de Juazeiro foi um movimento de ordem política, com a qual foram moralmente solidários os altos poderes da república e que eu fui incubido de chefiá-lo pelos chefes políticos, e que unicamente dirigi toda a ação, ainda há quem, de má fé, queira dar a responsabilidade ao Padre Cícero". A historiadora Amália Xavier de Oliveira afirma que quando os juazeirenses decidiram atacar, Padre Cícero os orientou a respeitar os adversários e as coisas alheias, só devendo pegar o necessário para saciar a fome, entretanto, Floro Bartolomeu teria dito para fazer o que quisessem, pois "o vencedor tem direito ao que é do vencido".


Em 24 de janeiro de 1914, os juazeirenses tomaram a cidade do Crato após um confronto com os soldados remanescentes do grupo que tentara invadir Juazeiro. Três dias depois, Barbalha foi tomada sem oferecer resistência. Em fevereiro, houve novo confronto em Iguatu, onde novamente o grupo liderado por Floro Bartolomeu obteve vitória. Há registros de pilhagens e confrontos em outras cidades do estado, como Quixadá e Maranguape. Em 15 de março, os revoltosos chegaram em Fortaleza, onde a Marinha já havia imposto um bloqueio marítimo. Cercado, Franco Rabelo foi deposto, sendo substituído interinamente pelo comandante da Marinha Fernando Setembrino de Carvalho. Os revoltosos voltaram a Juazeiro e desocuparam as cidades invadidas. Algum tempo depois, foram realizadas eleições, sendo eleito Governador Benjamim Liberato Barroso e Vice-Governador Padre Cícero.

Bibliografia:
* CARIRY, Antonio: A Defesa Armada de Juazeiro. Brasília-DF: Usina das Letras. 2006
* OLIVEIRA, Amália Xavier de: O Padre Cícero Que Eu Conheci. Rio de Janeiro-RJ: Gráfica Olímpica Ltda. 1969
* SOBREIRA, Azarias: O Patriarca de Juazeiro. Petrópolis-RJ: Vozes: 1969

Micael François

20.9.09

A Lenda dos Karyrys

Depois de um artigo que prima pelos argumentos lógicos, e baseado quase que unicamente na obra Efemérides do Cariri, sinto-me na obrigação, até pela influência Ariana (“Suassúnica”), tal como Dom Pedro Quadrena, de escrever também o outro lado, mais charmoso, mais emocionante, inspirado dessa vez por João Brígido.

Diz a lenda que perto do ano de 1660, um representante da Casa da Torre, alcunhado Medrado, teve um de seus escravos, um menino negro, raptado por um grupo de índios. O garoto foi trazido ao Cariri e criado pelos índigenas que ensinaram a língua e os costumes. Mesmo assim, a criança já havia incorporado muito do costume branco, e isso era apreciado pelos nativos. O tempo passou e já na década de 1680, ou talvez já no início de 1690, os Karyrys, que viviam em constante conflito territorial com as tribos dos Inhamuns, Calabaças e Cariús se viram ameaçados por uma aliança que se formava entre seus rivais.

Em um momento de inspiração, o Negrinho (agora já um homem feito), deu a seguinte ideia: ele iria acompanhado por um grupo de índios pedir ajuda de seus antigo dono. Em menor número os bravos guerreiros Karyrys foram obrigados a aceitar o plano e assim o fizeram. Quando chegaram à casa de Medrado, o branco reconheceu seu escravo raptado, e depois de conversar com o herói da história, empolgado com as riquezas naturais descritas, juntou o mais rápido que pôde uma bandeira composta por duzentos homens de sua confiança. A marcha, guiada pelos índios e pelo negro não demorou a chegar e na travessia do chapadão trilharam caminhos seguros.

Durante todo o tempo, o negro serviu de intérprete entre brancos e índios. A estratégia adotada foi a seguinte: os ataques seriam rápidos e de surpresa; atacariam sempre em horários pouco prováveis; cada comunidade de índios rivais seria cercada e atacada; não era permitido piedade. Em Cachoeira, hoje Missão Velha, aconteceu um dos ataqueis mais cruéis. Homens, velhos e crianças forma mortos no local e os Karyrys se banqueteavam com as víceras dos guerreiros mais bravos. As mulheres e moças foram levadas para a cachoeira e jogadas do ponto mais alto.

Foi outro ataque, porém, que mudaria para sempre a história local. Em um cerco próximo ao que hoje é o centro de Barbalha, a aliança de brancos e nativos seguia seu ataque como de costume, até que encontraram, deitado em uma rede e acompanhado de belas índias, um branco. Era um bandido desterrado de Salvador, conhecido por Ariosa, que havia chegado por essas bandas. Compadecidos pelo fim trágico a que estava condenado o lusitano, já que era aliado da tribo rival, seus compatriotas prenderam-no e o Karyrys pouparam sua vida.

Ariosa, contudo, não demorou a convencer o líder da Bandeira a deixá-lo fugir. Livre, o bandido correu até Salvador e conseguir embarcar para Portugal. Em terras lusitanas foi até a Corte e relatou as terras que havia descoberto. Empolgados com o Oásis em meio à Caatinga, os nobres acharam por bem perdoar os crimes de Ariosa e o presentearam com uma Sesmaria.

Talvez venha daí o mal costume generalizado em todo o Brasil de se dar um “jeitinho” de premiar o banditismo.

Incomodados com as vantagens concedidas a Ariosa, a Casa da Torre perdeu o interesse no Cariri e Medrado, desceu o rio Salgado com sua bandeira até outro acampamento dos Cariús, hoje a cidade de Icó, onde fundaram um aldeamento. Mesmo assim, não perderam a oportunidade de tirar uma "lasquinha". Os Lobatos, principalmente a esposa de Antônio Mendes Lobato, eram protegidos da Casa da Torre, e foram, no papel, os primeiros a receber uma Sesmaria das terras caririenses. Ariosa ficou com uma Sesmaria na atual cidade de Porteiras, antigamente Lagoa do Ariosa.


Católicos, os Lobatos receberam pouco depois de 1708 frades Capuchinhos que formaram o primeiro povoado, Missão Velha. Em 1724 ou 25, tangidos por uma forte seca, encontraram temporariamente, duas léguas acima, um local próprio para habitar. Nasceu aí Missão Nova. Acredita-se ainda, que a seca também foi o motivo para a fundação da Missão do Miranda, hoje Crato. Ouros acreditam que não, acontece que no Crato havia a maior concentração de índios da região, e o interesse os capuchinhos era justamente a catequese dos selvagens. Bem verdade também que muitos dos religiosos estavam cheios de segundas intenções e deveria haver bons motivos para a alta densidade de nativos naquelas bandas. Contudo, todas as explicações sobre a ocupação do Crato podem ser resumidas em uma frase "Oh terra boa, meu Deus".

Outro detalhe folclórico sobre a ocupação do Crato é que os catequistas queriam fundar a cidade às margens do rio Batateiras. Porém, a imagem de Nossa Senhora sumia constantemente, aparecendo onde hoje é a atual Igreja da Sé. Acreditando que fosse alguma brincadeira dos índios, os padres puniam aqueles com mais pinta de líderes e traziam de volta para a sede da missão. Curiosos com os sumiços da Santa, porém, decidiram vigiá-la com maior cuidado. Mesmo assim ela desapareceu e voltou ao mesmo lugar de sempre. Convencidos do milagre, e da vontade divina, os frades acharam mais fácil eles acompanharem a imagem do que impor sua vontade. Não demorou e o Crato logo se tornou o centro da região, perdendo o posto apenas em 1914, mas isso já é outra história.

Bibliografia:
*BRÍGIDO, João. Apontamentos para história do Cariri. Edição reproduzida do Diário de Pernambuco de 1961, fac-similar. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora Ltda., 2007.

Willian II

14.9.09

O Suposto Milagre


Em 06 de março de 1889, primeira sexta-feira da Quaresma, Padre Cícero ministrava a comunhão a um grupo de fiéis, quando ao chegar a vez de Maria de Aaújo, a hóstia transmutou-se em sangue na boca da beata, e estigmas semelhantes ao de Cristo apareceram em seu corpo. O fenômeno se repetiu por diversas oportunidades, sempre com a beata Maria de Araújo (ao lado).

Milagre ou embuste? A pedido do próprio Padre Cícero, o Bispo Dom Joaquim enviou uma comissão para apurar os fatos. O grupo era composto por Marcos Rodrigues Madeira (médico), Ildefonso Correia Lima (médico e professor da Faculdade do Rio de Janeiro), Joaquim Secundo Chaves (farmacêutico), além de diversos padres da região. Os médicos Marcos Rodrigues e Idelfonso Correia escreveram atestados onde contam com riqueza de detalhes a "investigação" do caso.

Dr. Marcos Rodrigues conta que: "(...) Não contente com os exames antecedentes mandei que lhe fizesse diversos gargarejos em minha vista, os que depois de eliminados não apresentava coloração alguma de sangue ou de outra matéria corante qualquer. Sem deixá-la mais de vista acompanhei-a até a Igreja, onde examinei a âmbula e partículas n'ella existentes (...)". Dr. Idelfonso Correia complementa que: "(...) mandei que ella vascolejasse água pura na bocca e depositasse-a depois em um prato de vidro, onde verifiquei não haver mudança alguma da cor do líquido, denunciável à vista (...)".

Após presenciar a transformação da hóstia, Dr. Ildefonso Correia afirmou: "(...) facto da ordem dos observados não podem ser explicados pelo jogo natural dos agentes naturaes, sendo forçoso acceitar a intervenção de um agente inteligente occulto que represente a causa, o qual, no caso em questão, acredito em ser Deus (...)". Já Dr. Marcos Rodrigues é categórico ao afirmar que acreditava em embuste, mas mudou de opinião ao ver pessoalmente o fenômeno: "(...) Muitos factos semelhantes se têm dado no Joazeiro e para verifica-los era mister que o Exmo. Bispo Diocesano viesse a esta localidade, si não acreditar, como eu até pouco tempo, na sua veracidade, apezar do testemunho quase diário de centenas de pessoas (...)".

Entretanto, a Diocese relutava em aceitar o milagre. Conta-se que o Padre Chevallier (reitor do Seminário da Prainha e assessor de Dom Joaquim), teria dito: "Jesus Cristo não vai deixar a França para obrar milagres no Brasil". Assim, o Bispo enviou uma nova comissão para apurar os fatos, comissão esta liderada pelos padres Alexandrino de Alencar e Manoel Cândido, ambos de confiança do Bispo. Quando o Padre Alexandrino de Alencar ministrou a comunhão a Maria de Araújo, nada ocorreu. A beata disse que o fênomeno não ocorreu porque o Padre Alexandrino era homem de pouca fé. O comentário rendeu à beata palmatórias e enclausuramento, enquanto ao Padre Cícero suspensão de suas ordens sacerdotais.

Uma terceira hipótese, levantada, na época, pelo Dr. Júlio César da Fonseca Filho, afirmava que o fenômeno não era milagre nem embuste, mas sim, fruto de uma crise de histerismo de Maria de Araújo. Tal posicionamento foi resgatado recentemente pela parapsicóloga Drª. Maria do Carmo Pagan Forti que afirma tratar-se o fenômeno de resultado da influência do psiquismo sobre o organismo, ou seja, a imaginação emotiva da beata gerou o sangue e estigmas.

Bibliografia:
* BARBOSA, Geraldo Meneses. Relíquia: o mistério do sangue das hóstias de Juazeiro do Norte. Juazeiro do Norte: Gráfica e Editora Royal, 2004.
* FORTI, Maria do Carmo Pagan. Maria do Juazeiro: a beata do milagre. São Paulo: Annablume, 1999.

Micael François

7.9.09

Certidão de Nascimento

Controvertido e incerto é o tema quanto a data de "descobrimento" do Cariri. Há várias teorias e poucas provas. Mas como não estamos em um tribunal, tais provas não farão tanta diferença assim.

Certo mesmo é que a região, verdadeiro oásis cercado pelo sertão semi-árido nordestino era ocupado por considerável população indígena, formada principalmente pelos índios Karyris, que inclusive deram nome à região. Quando partimos, porém, para o exame da chegada dos colonizadores, a água cristalina fica turva.

O primeiro grande debate está relacionado a como os desbravadores chegaram. A maioria acredita que chegaram pelo leste, vindos da Paraíba. Tal teoria é reforçada pelo fato da Chapada do Araripe ser grande obstáculo à chegada dos colonizadores vindos do sul, ou seja, do Pernambuco (conforme visto no mapa). Em Efemérides do Cariri, porém, Irineu Pinheiro defende que a região plana que predomina no alto do planalto não consistiu em tão grande entrave para diminuir a curiosidade e vontade daqueles que ávidos por terras ricas e minerais preciosos se dispunham a ir a lugares tão longe dos grandes centros daquela época. Observando, contudo, que as primeiras sesmarias foram doadas vindo do que hoje é Missão Velha, em direção ao atual território Crato, na minha opinião é caso claro de Leste 1 x 0 Sul, final de jogo.

Há ainda quem atribua a descoberta dessa região naturalmente abençoada pela Casa da Torre dos Garcia d’Ávila. Mais uma vez, estamos diante de pequenos comentários orais passados de geração em geração que afirmam ter visto os símbolos daquela grande holding do negócio colonial brasileiro nos primórdios da ocupação Caririense. Não há contudo documentos escritos, e isso inclui nenhuma concessão de sesmarias aos representantes da Casa da Torre das terras desse torrão. Acho então que é ponto para o "pequeno empreendedor".

Depois do "como" e parte do "quem", resta o "quando". Duas teorias: a) os colonizadores chegaram aqui em algum ponto do final do século XVII; b) a "civilização" chegou aqui só depois de 1702, data em que foi concedida a primeira sesmaria. Ouso aqui dizer que a dúvida é boba. Dois motivos sustentam meu parecer. Primeiro não há lógica em se pedir a concessão de "registros de imóveis" antes de conhecer o terreno. Segundo, e mais importante (já que lógica portuguesa não é bem meu forte, ou lógica o forte deles), o documento oficial emitido pelo capitão-mor Francisco Gil Ribeiro a Gil de Miranda e Antônio Mendes Lobato informava os limites da sesmaria. Para amenizar a situação, porém, podemos supor que o colonizador passou por aqui ainda no século XVII, mas a partir de 1702 passou a se fixar por essas bandas.

Mas se querem uma data certa para cantar "parabéns pra você", podem usar o dia 28 de fevereiro de 1702. E foi Cachoeira, ou Missão Velha, o "onde". Ao longo do tempo, muitas outras sesmarias foram sendo concedidas, e por incrível que possa parecer a alguns, essa canto que hoje exporta gente para os quatro cantos do mundo, foi importante centro de atração de imigrantes. Com isso vieram as vilas e municípios, que serão tratados posteriormente.

E é assim, em meio a tantas incertezas que teve início a construção do atual Cariri, talvez tão incerto quanto o nosso futuro. Até breve.

Bibliografia:
* PINHEIRO, Irineu. Efemérides do Cariri. Fortaleza: Imprensa Universitária do Ceará, 1963.

Willian II

1.9.09

O Pacto dos Coronéis


Em 1911, a oligarquia Accioly dava sinais de declínio e as constantes disputas internas enfraqueciam ainda mais o bloco coronelista. Então, em 04 de outubro de 1911, líderes políticos de dezessete localidades do interior cearense se reuniram em Juazeiro para firmar um pacto de harmonia entre si e apoio incondicional a Nogueira Accioly (ao lado).

Estiveram presentes na reunião e assinaram o pacto, que foi posteriormente registrado em cartório, os líderes políticos de Missão Velha, Crato, Juazeiro, Araripe, Jardim, Santana do Cariri, Assaré, Várzea Alegre, Campos Sales, São Pedro do Cariri (Caririaçu), Aurora, Milagres, Porteiras, Lavras da Mangabeira, Barbalha, Quixadá e Brejo Santo.

Tal acordo é considerado um dos acontecimentos mais importantes do coronelismo brasileiro, mas não cumpriu os objetivos que pretendia, visto que alguns meses depois Franco Rabelo assumiu o cargo de Presidente do Ceará (atualmente chamado Governador), sem que os signatários do pacto reagissem. Além do mais, em 1914, quando Franco Rabelo decidiu invadir Juazeiro, os demais pactuantes não ajudaram a defender a cidade como estava previsto no artigo 8º do pacto, pelo contrário, algumas entraram em confronto com Juazeiro como, por exemplo, Crato.

Dessa maneira, o fracassado acordo serviu apenas como marco histórico para demonstrar as ambíguas relações de poder daquela época.

Eis o “Pacto dos Coronéis” em sua íntegra:

Aos quatro dias do mês de outubro do ano de mil novecentos e onze, nesta vila de Juazeiro do Padre Cícero, Município do mesmo nome, Estado do Ceará, no paço da Câmara Municipal, compareceram à uma hora da tarde os seguintes chefes políticos: Coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe do Município de Missão Velha; Coronel Antônio Luís Alves Pequeno, chefe do Município do Crato; Reverendo Padre Cícero Romão Batista, chefe do Município do Juazeiro; Coronel Pedro Silvino de Alencar, chefe do Município de Araripe; Coronel Romão Pereira Filgueira Sampaio, chefe do Município de Jardim; Coronel Roque Pereira de Alencar, chefe do Município de Santana do Cariri; Coronel Antônio Mendes Bezerra, chefe do Município de Assaré; Coronel Antônio Correia Lima, chefe do Município de Várzea Alegre; Coronel Raimundo Bento de Sousa Baleco, chefe do Município de Campos Sales; Reverendo Padre Augusto Barbosa de Meneses, chefe do Município de São Pedro de Cariri; Coronel Cândido Ribeiro Campos, chefe do Município de Aurora; Coronel Domingos Leite Furtado, chefe do Município de Milagres, representado pelos ilustres cidadãos Coronel Manuel Furtado de Figueiredo e Major José Inácio de Sousa; Coronel Raimundo Cardoso dos Santos, chefe do Município de Porteiras, representado pelo Reverendo Padre Cícero Romão Batista; Coronel Gustavo Augusto de Lima, chefe do Município de Lavras, representado por seu filho, João Augusto de Lima; Coronel João Raimundo de Macedo, chefe do Município de Barbalha, representado por seu filho, Major José Raimundo de Macedo, e pelo juiz de direito daquela comarca, Dr. Arnulfo Lins e Silva; Coronel Joaquim Fernandes de Oliveira, chefe do Município de Quixadá, representado pelo ilustre cidadão major José Alves Pimentel; e o Coronel Manuel Inácio de Lucena, chefe do Município de Brejo dos Santos, representado pelo Coronel Joaquim de Santana.A convite deste, que, assumindo a presidência da magna sessão, logo deixou, ocupou-a o Reverendo Padre Cícero Romão Batista, para em seu nome declarar o motivo que aqui os reunia. Ocupada a presidência pelo Reverendo Padre Cícero, fora chamado o Major Pedro da Costa Nogueira, tabelião e escrivão da cidade de Milagres, que também se achava presente. Declarou o presidente que, aceitando a honrosa incumbência confiada pelo seu prezado e prestigioso amigo Coronel Antônio Joaquim de Santana, chefe de Missão Velha, e traduzindo os sentimentos altamente patrióticos do egrégio chefe político, Excelentíssimo Senhor Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli, que sentia d'alma as discórdias existentes entre alguns chefes políticos desta zona, propunha que, para desaparecer por completo esta hostilidade pessoal, se estabelecesse definitivamente uma solidariedade política entre todos, a bem da organização do partido, os adversários se reconciliassem e ao mesmo tempo lavrassem todos um pacto de harmonia política. Disse mais que, para que ficasse gravado este grande feito na consciência de todos e de cada um de per si, apresentava e submetia à discussão e aprovação subseqüente os seguintes artigos de fé política: Art. 1° Nenhum chefe protegerá criminosos do seu município nem dará apoio nem guarida aos dos municípios vizinhos, devendo pelo contrário ajudar a captura destes, de acordo com a moral e o direito. Art. 2° Nenhum chefe procurará depor outro chefe, seja qual for a hipótese. Art. 3° Havendo em qualquer dos municípios reações, ou, mesmo, tentativas contra o chefe oficialmente reconhecido com o fim de depô-lo, ou de desprestigiá-lo, nenhum dos chefes dos outros municípios intervirá nem consentirá que os seus municípios intervenham ajudando direta ou indiretamente os autores da reação. Art. 4° Em casos tais só poderá intervir por ordem do Governo para manter o chefe e nunca para depor. Art. 5° Toda e qualquer contrariedade ou desinteligência entre os chefes presentes será resolvida amigavelmente por um acordo, mas nunca por um acordo de tal ordem, cujo resultado seja a deposição, a perda de autoridade ou de autonomia de um deles. Art. 6° E nessa hipótese, quando não puderem resolver pelo fato de igualdade de votos de duas opiniões, ouvir-se-á o Governo, cuja ordem e decisão será respeitada e estritamente obedecida. Art. 7° Cada chefe, a bem da ordem e da moral política, terminará por completo a proteção a cangaceiros, não podendo protegê-los e nem consentir que os seus munícipes, seja sob que pretexto for, os protejam dando-lhes guarida e apoio. Art. 8° Manterão todos os chefes aqui presentes inquebrantável solidariedade não só pessoal como política, de modo que haja harmonia de vistas entre todos, sendo em qualquer emergência "um por todos e todos por um", salvo em caso de desvio da disciplina partidária, quando algum dos chefes entenda de colocar-se contra a opinião e ordem do chefe do partido, o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli. Nessa última hipótese, cumpre ouvirem e cumprirem as ordens do Governo e secundarem-no nos seus esforços para manter intacta a disciplina partidária. Art. 9° Manterão todos os chefes incondicional solidariedade com o Excelentíssimo Doutor Antônio Pinto Nogueira Acioli, nosso honrado chefe, e como políticos disciplinados obedecerão incondicionalmente suas ordens e determinações. Submetidos a votos, foram todos os referidos artigos aprovados, propondo unanimemente todos que ficassem logo em vigor desde essa ocasião.Depois de aprovados, o Padre Cícero levantando-se declarou que, sendo de alto alcance o pacto estabelecido, propunha que fosse lavrado no Livro de Atas desta municipalidade todo o ocorrido, para por todos os chefes ser assinado, e que se extraísse uma cópia da referida ata para ser registrada nos livros das municipalidades vizinhas, bem como para ser remetida ao Doutor Presidente do Estado, que deverá ficar ciente de todas as resoluções tomadas, o que foi feito por aprovação de todos e por todos assinado.Eu, Pedro da Costa Nogueira, secretário, a escrevi.Padre Cícero Romão Batista - Antônio Luís Alves Pequeno - Antônio Joaquim de Santana - Pedro Silvino de Alencar - Romão Pereira Filgueira Sampaio - Roque Pereira de Alencar - Antônio Mendes Bezerra - Antônio Correia Lima - Raimundo Bento de Sousa Baleco - Padre Augusto Barbosa de Meneses - Cândido de Ribeiro Campos - Manuel Furtado de Figueiredo - José Inácio de Sousa - João Augusto de Lima - Arnulfo Lins e Silva - José Raimundo de Macedo - José Alves Pimentel.

Bibliografia
* MACEDO, Joaryvar. Império do Bacamarte: uma abordagem sobre o Coronelismo no Cariri. 2 ed. Fortaleza: UFC, 1990.
* MATIAS, Aurélio. O Poder Político Em Juazeiro Do Norte – Mudanças e Permanências – as Eleições de 2000. Juazeiro do Norte: Gráfica Nobre, 2008.

Micael François